quarta-feira, 11 de junho de 2008

Relatório da Comissão de direitos Humanos de São Paulo


Militante do PARTIDO COMUNISTA REVOLUCIONÁRIO (PCR).
Nascido em 21/02/44, em Maceió, Alagoas, filho de Augusto de Moura Castro e Iracilda Lisboa de Moura.
Estudante de Medicina na Universidade Federal de Alagoas, morto aos 29 anos, em São Paulo.
Preso no dia 17 de agosto de 1973 por agentes do DOI-CODI de Recife, em cujas dependências foi torturado pela equipe do agente conhecido como “Luiz Miranda”.
Removido para São Paulo, Manoel continuou sendo torturado pelo delegado Sérgio Fleury e por “Luís Miranda”, até morrer no dia 4 de setembro de 1973.A requisição do exame necroscópico foi assinada pelo Delegado Edsel Magnotti e o laudo pelos médicos legistas Harry Shibata e Armando Cânger Rodrigues, que confirmam a versão oficial.
A denúncia de Selma Bandeira Mendes e de vários outros presos políticos que se encontravam nas dependências do DOI-CODI/SP naquele período, diz que o corpo de Manoel estava coberto de queimaduras, estando inclusive quase paralítico.
A versão oficial divulgada pelos órgãos de segurança é de que Manoel foi morto devido a um tiroteio no Largo de Moema, na cidade de São Paulo, juntamente com Emanuel Bezerra dos Santos.
O capitão do Exército Carlos Cavalcanti, membro da família de Manoel tentou resgatar o corpo que, embora tivesse sido enterrado como indigente no Cemitério de Campo Grande/SP, poderia ser exumado, desde que a família se comprometesse a não abrir o caixão, que seria entregue lacrado, ao que a família se recusou, por não poder ter nem ao menos a certeza de que, no caixão lacrado, estava o corpo de Manoel.
Por ocasião do processo de exumação e identificação de Emanuel Bezerra dos Santos, o mesmo foi feito a Manoel, uma vez que ambos foram mortos e sepultados no mesmo local. Seu irmão não quis receber seus restos mortais que, então, foram colocados no Ossário Geral do Cemitério de Campo Grande, com a presença de amigos e entidades.
O Relatório do Ministério da Aeronáutica diz que foi “morto em 4 de setembro de 1973, em São Paulo/SP, após cerrado e violento tiroteio com agentes de segurança.”
SP: Desaparecido político vai ter restos mortais trasladados
Por Comissão Municipal de Direitos Humanos - SP 24/04/2003 Às 19:01

A Comissão Municipal de Direitos Humanos de São Paulo convida para o Ato de Translado dos Restos Mortais do Desaparecido Político Manoel Lisboa de Moura (1944-1973), no dia 06 de maio de 2003, às 15h, no Salão Azul da Prefeitura de São Paulo, Palácio das Indústrias, Avenida Mercúrio, s/nº, Parque Dom Pedro


Uma pequena biografia

Manoel nasceu a 21 de fevereiro de 1944, em Maceió. Desde seus tempos de escola demonstrou um interesse particular pelos problemas sociais, o que o fez se integrar, ainda bem jovem, ao movimento estudantil alagoano. Como secundarista, participou do Conselho Estudantil do Colégio Estadual de Alagoas.
Foi editor do jornal "A Luta", de circulação clandestina, que visava mobilizar a luta de combate à ditadura militar, e defender as liberdades democráticas propiciando a construção de uma sociedade livre e justa. Mais tarde, quando cursava medicina, teve que se afastar do curso por motivos de perseguição política.
Foi um dos principais dirigentes do PCR - Partido Comunista Revolucionário, fundado em 1966, e sua atuação esteve sempre voltada para a organização dos camponeses e das classes mais oprimidas.
Em 16 de agosto de 1973, Manoel foi preso numa ação repressiva da Ditadura Militar sob o comando dos policiais Luis Miranda e Sérgio Paranhos Fleury.
A partir de então, foi submetido a toda sorte de torturas tanto físicas como psicológicas. Despido, foi pendurado no "pau-de-arara", espancado no rosto, nos testículos, no abdome. Recebeu choques elétricos no pênis, nas mãos, nos pés e nas orelhas. Foi queimado a vela em todo o corpo, perdendo, logo nos primeiros dias, a sensibilidade dos membros inferiores. Os seus algozes queriam informações sobre a organização, a infra-estrutura e a localização dos militantes. Manoel não deu nenhuma informação mesmo conhecendo bem os segredos do Partido que fundara.
Passou 19 dias sob tortura intensa. Ficou com o corpo cheio de queimaduras,semiparalítico.
Aos companheiros da prisão, pressentindo que seria assassinado, falou: " Sei que a minha hora chegou; fiz o que pude; a vocês peço apenas que continuem o trabalho do Partido".
Foi assassinado em 04 de setembro de 1973 e enterrado como desconhecido no Cemitério do Campo Grande, em São Paulo. Ao seu lado, também foi enterrado seu companheiro de Partido, Emanuel Bezerra dos Santos ( 1945 - 1973) que posteriormente, foi identificado e sepultado em 1992, dignamente, na sua cidade natal, São Bento do Norte (RN).
Foi traslado os restos mortais de Manoel Lisboa de Moura, de São Paulo para Recife, quando será homenageado pela Prefeitura Municipal e em seguida, para Maceió, quando finalmente vai ser sepultado.
Comissão Municipal de Direitos Humanos

MANOEL LISBOA, por Maria do Carmo Tomáz

Manoel:
Como é difícil falar sobre você, companheiro! As palavras para traduzir o Celso, o revolucionário que tivemos fisicamente por tão pouco tempo entre nós, parecem tão fracas diante do potencial que esse revolucionário representou e representa na memória de quem o conheceu e participou de sua prática revolucionária. Falar de você é falar de um mundo melhor, é sonhar com uma sociedade sem políticos corruptos e, conseqüentemente, de uma sociedade melhor: sem desemprego, sem fome, sem miséria...
Foi exatamente em 1971 que conheci Manoel Lisboa, com o codinome de Celso. Não consigo até hoje compreender como uma pessoa que esperava a qualquer momento ser presa e morta, como realmente foi, podia ter tanta tranqüilidade, tanta alegria. Mesmo nos momentos em que falava dos riscos que corria pela sua prática revolucionária, num momento em que era procurado pela polícia dos órgãos repressivos, ele muitas vezes comentava com humor. A única coisa que o tirava do sério era irresponsabilidade de companheiros; irresponsabilidade deixava-o nervoso e muito irritado. Certo dia, ele chegou a me dizer: “Se só minha vida fosse suficiente para fazer a revolução, eu a daria, não pediria a ninguém para lutar”. Manoel tinha certeza de que, ao cair nas mãos da repressão, estaria morto, mas falava de tudo isso com muita firmeza e determinação.
Foi exatamente no dia 15 de agosto, às 17h00, numa quinta-feira, no bairro do Rosarinho, que a polícia política colocava a mão naquele revolucionário cujo único “crime” foi ter uma ideologia e lutar por ela: querer uma sociedade sem fome, sem desemprego, sem menor abandonado, sem opressores, sem oprimidos. Esse foi seu único “crime”, que lhe custou torturas físicas, as mais cruéis que se possa imaginar: pau-de-arara, choques por todo o corpo, cabo de vassoura introduzido no reto, queimaduras por todo o corpo e, finalmente, a morte, exceto a última, não fui testemunha ocular. É muito difícil falar de tudo isso, mas para que fique registrado nas páginas da história, alguém tem que escrever, colocar fatos, e eu não posso fugir dessa responsabilidade: colocar no papel essa parte da história que vivemos na ditadura militar.
No dia 16 de agosto de 1973, às 06h50, um dia depois ou uma noite depois da prisão de Manoel, estava eu também sendo presa ao entrar para trabalhar na Fábrica da Torre. Não entendia exatamente o que estava acontecendo. Como a polícia tinha me descoberto? Falava de Manoel: Manoel te entregou! Aquele safado! Eu não sabia quem era Manoel, o conhecia por Celso. Diante das acusações e daquela turbulência, me deu um clique de repente e lembrei que no dia anterior tinha mandado a companheira Fortunata ir ao encontro de Celso, pois eu tinha um outro compromisso e não podia faltar. Foi nesse momento que comecei a entender o que realmente tinha acontecido: Manoel, o Celso, estava preso junto com Fortunata, e Fortunata – coitada! – Não tinha condições de agüentar tanta selvageria e me entregou. Era uma pessoa sem experiência, uma operária simples, boa, maravilhosa. Apavorou-se com a monstruosidade como foi preso Manoel, ficou em estado de loucura e não hesitou diante do medo em dizer que eu trabalhava também na Torre.
Pobre Fortunata! Ainda dentro do DOI-Codi, tive a oportunidade de ganhar um abraço dela em prantos, me pedindo perdão. Não precisas me pedir perdão, companheira! Fortunata contou que na hora da prisão de Manoel foi uma verdadeira operação de guerra. Não o colocaram no mesmo carro em que a colocaram. Porém, na praça ainda, começaram a bater nele como se fosse um bicho e o jogaram dentro do carro, já desmaiado. Na hora em que se aproximou, na praça, um homem o interrogando, ele fez menção de pegar a Lili, apelido que ele dava à arma que conduzia. Foi inútil, de todos lados da praça surgiam homens, eram muitos, ela não sabe exatamente quantos! Carros e carros surgiam naquele local, estava preso o Manoel que a repressão tanto procurava.
No dia em que fui presa, me colocaram frente a frente com ele (acareação, - termo usado por eles). Estava totalmente nu, com bastantes hematomas. Ele fixou os olhos em mim e nada falou. Me arrasei quando o vi, depois fiquei numa cela vizinha ouvindo os seus gritos. Durante muito tempo pensei que ia enlouquecer, não conseguia me libertar daqueles gritos de dor. Tinha pesadelos horríveis! O seu comportamento causou admiração até mesmo aos torturadores. Num certo dia do mês de setembro – eu não estava mais sofrendo tortura física – me levaram a uma câmara de tortura e me deram a triste notícia de que Manoel estava morto. É um momento que me dói muito lembrar, eu disparei num choro, para mim o mundo havia acabado, a esperança estava apagada, me senti num túnel sem luz, estava tudo escuro, foi uma dor muito grande. Ficaram me olhando e disseram: “Um igual àquele vocês não vão encontrar”. Senti vontade de cuspir na cara de cada um, me deu um ódio!
Manoel Lisboa, você foi um exemplo de um HOMEM sério, responsável, de um revolucionário de fibra, de coragem, de um amigo das horas difíceis e de todas as horas, de um revolucionário íntegro, respeitado, de um filho carinhoso. Isso se explica pela mecha do cabelo de sua mãe que carregava de lembrança em sua carteira, já que a vida clandestina não o deixava viver ao lado dela. PARABÉNS, MANOEL! O nosso país precisa de gente como você.
(Maria do Carmo Tomáz, Natal, 13-04-99)

Admirador da obra do poeta e dramaturgo comunista Bertolt Brecht, Manoel sempre incentivava os militantes do PCR a conhecer os poemas e os trabalhos dele. Um de seus poemas preferidos era Decisão, que publicamos aqui.

A Decisão - Bertolt Brecht

Cada companheiro tem dois olhos;
O Partido tem mil.
O Partido conhece três continentes;
Cada companheiro conhece uma cidade.
Cada companheiro tem sua hora;
O partido tem mil vezes sua hora;
Cada companheiro pode ser destruído
mas o Partido não pode ser destruído.
Porque é a vanguarda das massas
e dirige seu combate
Segundo os métodos clássicos, forjadosno conhecimento da realidade.

Às gerações futuras


Eu vos contemplo
Da face oculta das coisas.
Meus desejos são inconclusos,
Minhas noites sem remorsos.
Eu vos contemplo,
Pelas grades insensíveis.
Meu sonho,É uma grande rosa.
Minha poesia,Luta.
Eu vos contemplo
Da virtual extremidade.
Minha vida (pela vossa).
Meu amor,Vos liberta.
Eu vos contemplo
Da própria contingência.
Mas minha força
É imbatível
Porque estais
À espera.
Eu vos contemplo
Pelo fogo da batalha.
Meus soldados
Não se rendem.
O grande dia
Chegará.
Eu vos contemplo
Gerações futuras,
Herdeiros da paz e do trabalho.
As grades esmaecem
Ante meu contemplar.


Emmanuel Bezerra dos Santos,
militante do Partido Comunista Revolucionário,
Torturado e assassinado pela ditadura Militar
(Escrito na prisão da Base Naval de Natal/1968)

Poesia em Homenagem a Manoel Lisboa

"Nosso orgulho pela tua coragem,
tua bravura, teu espírito de luta,
tua dignidade, teu heroísmo.
Foste luz no túnel
Teu sangue será adubo,
Tua alma já é semente.
No fulgor da aurora
De um novo tempo
Tu brilharás
És o futuro
O amanhã virá!

Selma Bandeira,
companheira de Manoel Lisboa

Manoel Lisboa: herói da luta pela libertação dos trabalhadores brasileiros

Manoel Lisboa de Moura nasceu em Maceió, no dia 21 de fevereiro de 1944, filho de Augusto de Moura Castro, oficial da Marinha, e de Iracilda Lisboa de Moura. Sua formação político-ideológica não se deu apenas por meio de leituras, nem sua prisão ocorreu simplesmente por vender livros proibidos. Ainda adolescente, organizou o grêmio do antigo Liceu Alagoano, depois Colégio Estadual. Foi diretor da União dos Estudantes Secundaristas de Alagoas (Uesa) e aos 16 anos ingressou na Juventude Comunista do PCB. Como universitário, organizou o Centro Popular de Cultura da Une (CPC), apresentou e dirigiu peças de teatro, envolvendo, inclusive, operários da estiva.
O golpe militar de 1964 encontrou-o cursando Medicina na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), de onde o expulsou, cassando-lhe os direitos políticos. Nessa ocasião, pertencia ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), organização criada em 1962, diante da linha reformista adotada pelo velho “Partidão”, desde o XX congresso do PC da União Soviética, fato que provocou a cisão dos militantes.
Lisboa transferiu-se para o Recife, onde continuou na luta revolucionária e trabalhava na Companhia de Eletrificação Rural do Nordeste (Cerne). Em julho de 1966, foi novamente preso, logo após o atentado contra o ditador de plantão, Mal. Artur da Costa e Silva, ocorrido no Aeroporto dos Guararapes.
A polícia não conseguiu incriminá-lo, pois o inquérito comprovou que ele, no momento do ocorrido, estava trabalhando na Cerne com seu irmão, engenheiro e capitão do Exército. Posto em liberdade quatro dias depois, concluiu que não era possível continuar levando uma vida legal e dedicar-se à causa revolucionária, optando então pela vida clandestina.
Dezembro de 1966. Manoel Lisboa, Amaro Luiz de Carvalho, o Capivara (Veja A Verdade, nº 9), Ricardo Zaratini Filho (engenheiro, banido do Brasil em 1969, após o seqüestro do embaixador estadunidense) e outros companheiros fundaram o Partido Comunista Revolucionário (PCR).
Apesar das duras condições da luta clandestina, o PCR procurou ligar-se às massas camponesas, operárias e estudantis em todo o Nordeste. Para isso, desenvolvia trabalho de conscientização na base e intensa campanha de denúncias das arbitrariedades e crimes cometidos contra os trabalhadores, conclamando o povo para organizar-se e lutar por seus direitos. O Partido propunha a utilização de todas as formas de luta, legais e ilegais, abertas ou clandestinas, destacando a luta armada como a única capaz de destruir realmente a ditadura, desde que contasse com o apoio, a compreensão e a simpatia do povo.
A libertação do povo acima de tudo
No dia 16 de agosto de 1973, a repressão conseguiu seu intento. Quando conversava com uma operária, a quem dava assistência política, na Praça Ian Flemming, no bairro de Rosarinho, Recife, Manoel Lisboa foi agarrado por um bando de fascistas, sob as ordens do agente policial Luís Miranda, de Pernambuco e do delegado paulista Sérgio Fleury, algemado, arrastado para um veículo e conduzido para o DOI-Codi do IV Exército, então situado no parque 13 de Maio. Fortunata, a operária, presenciou a cena. “Foi uma verdadeira operação de guerra. Quando um homem se aproximou, ele fez menção de pegar a arma, mas foi inútil. De todos os lados da praça surgiam homens. Carros e carros surgiram”.
Um verdadeiro comunista revolucionário

Numa de suas belas e contundentes canções, o compositor e cantor Zé Ramalho afirma que “na tortura toda carne se trai”. Errado. Manoel Lisboa foi submetido a todo tipo de tortura. Despido, pendurado no “pau-de-arara”, espancado por todo o corpo, choques elétricos no pênis, nas mãos, nos pés, nas orelhas, queimado com vela, logo nos primeiros dias perdeu a sensibilidade dos membros inferiores, não podia se locomover, nem se alimentar.
Manoel sabia tudo da organização. Era seu dirigente máximo, conhecia todos os segredos. Um segundo de vacilação e o PCR estaria completamente aniquilado. Mas ele foi coerente com o que sempre pregara: “Delação é traição e a traição é pior do que a morte. O revolucionário é como um prisioneiro de guerra; só declina o próprio nome. A causa revolucionária, a democracia, a libertação nacional, o socialismo estão acima da própria vida”.
Maria do Carmo Tomáz e Juares José Gomes viram-no cheio de hematomas e ouviram seus gritos. Outros prisioneiros chegaram a falar com ele, que disse: “Sei que minha hora chegou; fiz o que pude; a vocês, peço apenas que continuem o trabalho do Partido”.
Manoel Lisboa Vive! Viva o PCR!

Agora, passados trinta anos, Manoel volta para os braços dos seus Familiares, amigos, companheiros e é recebido como herói em Recife e Maceió, cidades onde viveu e lutou, deu o melhor de si pela causa da liberdade e do socialismo. Homenageado pelo Partido que fundou e que, graças à sua bravura, sobreviveu à sanha da ditadura, fortalecendo a cada dia a sua organização e ampliando a ligação com as massas, como defendia seu fundador.